Por amar literatura e, principalmente quadrinhos, e presenciar as terríveis adaptações que normalmente são feitas no cinema, costumo ser contra “adequações”. Em minha visão, raras são as que funcionam adequadamente quando são transportadas para outro estilo artístico, principalmente a sétima arte. As adequações não transmitem a força da obra original e o resultado final é, normalmente, simplório e apenas um marco para ganhar dinheiro. E digo o mesmo quando a arte, em película, vai aos quadrinhos ou livros. Não funciona. Como diz o mestre Alan Moore: “Cada arte é única. Eu faço quadrinhos não cinema, apesar de gostar de sétima arte”.
Mas, como tudo na vida, as regras são feitas para serem quebradas, Canto dos Malditos, de Austregésilo Carrano Bueno (no cinema O Bicho de Sete Cabeças, com Rodrigo Santoro) é uma prova de que, às vezes, funciona. Mas, meu foco será o livro, apesar de ter amado o longa-metragem (primeiro filme que Santoro provou ser ator e não mais um rostinho na tela), e sua trilha sonora.
O livro de Carrano é uma obra vigorosa, detalhista e, ao mesmo tempo cruel. Atroz por funcionar como uma denúncia a situação dos hospitais psiquiátricos no Brasil. Impossível não se sentir incomodado, cutucado por esse livro que traça um triste quadro de abandono, tanto dos hospitais quanto de pacientes.
O autor, um ex-paciente desses hospitais psiquiátricos, relata com força e coragem, o horror de eletrochoques e das doses, cavalares de medicamento. Uma descrição feita com maestria, dor, e realidade. Dizem que alguns filmes funcionam como um soco no estômago do público. Ao apresentar a realidade disfarçada ou escondida, o que podemos dizer desse pequeno documentário histórico? Um livro que obriga o leitor a refletir, pensar e questionar tudo o que foi relatado. Mas, não pense que o livro relata o caso do autor e que o leitor não se pegará pensando em qual a relação de diálogo existente entre pais e filhos, mães e filhas. No final, percebemos que Contos Malditos é um retrato cruel e dolorido da sociedade moderna em que as conversas entre familiares, em 90% das vezes, são trocadas por bens materiais e o respeito ao próximo está cada vez mais distante.....uma pena.
Depois do livro, assista à bela atuação de Santoro e se delicie com a trilha sonora. A música de Zeca Baleiro representa exatamente as dores e a falta de diálogo real entre algumas relações familiares. Vamos escutar sentir e refletir.